quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

CULTURA DO SAMBA E A ESCOLA: UMA APROXIMAÇÃO

LIMA, Augusto César G. e – PUC-Rio / UNESA – auglima@globo.com
GT: Sociologia da Educação / n.14
Agência Financiadora: Sem Financiamento


Uma das questões que provocaram celeuma nestes últimos anos foram os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997). Um dos aspectos neles abordados de especial relevância para o meu trabalho refere-se ao tema da pluralidade cultural nos chamados “temas transversais”. Tratava-se possivelmente de um reflexo das discussões sobre a necessidade de se pensar o currículo à luz das novas formulações advindas dos debates provocados pela chamada Nova Sociologia da Educação, os Estudos Culturais e o Multiculturalismo. Estes debates, entre outras questões, colocavam a necessidade do diálogo da escola com as culturas de referência dos/as estudantes. O samba é, para o Brasil, juntamente com outros símbolos, uma marca da brasilidade. Tanta importância tem o samba para o contexto brasileiro que, entre outras coisas neste país continental de rica e variada cultura musical, é o ritmo reconhecido como música de caráter nacional. O carnaval brasileiro, que é uma festa pagã com origem no calendário religioso, não tinha samba (Cabral, 1996). Mesmo diante da discriminação a que eram submetidos os negros e mestiços no Rio de Janeiro, o carnaval foi conquistado pelas Escolas de Samba (Cabral, 1996) e hoje é impossível desvincular uma coisa da outra. Mas o samba não se resume às Escolas de Samba e ao carnaval, ele ocupa outros espaços e está presente o tempo todo, ao menos no Rio de Janeiro e em inúmeras outras cidades. É a partir destas constatações que procuro discutir a relação entre escola e o que chamo de cul tura do samba.

Candau (1998a) constata em seu relatório final de pesquisa a dificuldade da escola lidar com a diferença. Nos espaços de conhecimentos sistematizados, como a sala de aula, distancia-se da cultura social de referência dos alunos, o que não favorece processos de interculturalidade (Candau, 1998b) e pode ter conseqüências negativas para a auto-estima dos alunos. 2

Forquin (1992), comenta as relações que podem existir nas sociedades contemporâneas entre o “campo escolar” e o “campo social”, que chamam atenção para o “aspecto arbitrário, o caráter ‘socialmente construído’ das cartografias cognitivas que subjazem à configuração das matérias ensinadas” (p.40). Assim, o modo como são selecionados, classificados, transmitidos e avaliados os saberes ensinados, corresponde à maneira como está organizado o poder dentro de uma sociedade e é uma forma de garantir o controle social dos comportamentos individuais. Quando penso na relação cul tura do samba e escola, penso no questionamento desta construção. Nesta pesquisa investiguei a cul tura escolar/cul tura da escola, o contexto social de referência dos alunos, em particular a cul tura do samba, procurando observar suas relações no espaço escolar de uma determinada escola, situada num bairro com tradição de samba, na cidade do Rio de Janeiro. A observação de campo nos moldes de uma pesquisa etnográfica, em que o pesquisador é o principal instrumento de coleta, foi o caminho escolhido. O contexto O bairro de Oswaldo Cruz passa a existir em função da estação de trem da Central do Brasil, inaugurada em 1898. É um bairro de moradia e no ano de 2000 tinha 35.901 habitantes, sendo 51,8% de brancos, 12,4% de pretos, 35,1% de pardos, 0,1% de indígenas e 0,5% de outra cor (IBGE, 2000). Neste bairro, formado por moradores pobres, muitos vindos do interior do estado e de Minas Gerais e Espírito Santo, havia já nos anos de 1910 festas organizadas por pessoas ligadas a cultos afros. Após as sessões “da Lei”, ocorriam animadas danças com jongo e caxambu. Como freqüentavam estas festas os sambistas do bairro do Estácio, estes levaram a nova maneira de cantar e batucar o samba, que logo tomou conta do bairro, produzindo grande número de compositores. A Escola Azul (nome fictício) foi inaugurada em 1977, atendendo à necessidade da população dos blocos de apartamentos construídos a toque de caixa para receber população de baixa renda removida de algumas favelas da zona sul e norte. Paralela a ela passa um rio que 3 recebe esgoto diretamente e lixo, por vezes exalando forte mau cheiro. Contrariando o senso comum, é uma escola pública com excelente infraestrutura. Os estudantes são oriundos em sua maioria do próprio bairro. O samba dos conceitos: cul tura escolar/cul tura da escola O termo cul tura é polissêmico e se presta a várias abordagens. Para este estudo interessou seus possíveis usos no campo da educação e refutar o uso que se faz no senso comum de uma compreensão enviesada de cultura que encobre relações de poder. O conceito de cul tura escolar é recente na literatura pedagógica brasileira1. Seu aparecimento se deve, em parte, pelas novas e crescentes abordagens na discussão acerca do currículo e do cotidiano escolar, implicando no uso de um conceito que exprimisse as questões de estudo. Compreendo que o que possibilita os modos distintos de
construção social da realidade é a socialização que ocorre em várias instâncias sociais. Assim, compreendendo educação em seu aspecto
amplo como formação e socialização, além da escolarização, há uma íntima relação com a cul tura (Forquin, 1993). E a função fundamental da escola é “transmitir cultura” dizem Moreira e Candau (2003, p.160). Porém, como fazem estes autores, a questão que se coloca é: que cultura? 

Assim, diz Candau (2000, p.68): Penet rar nesta rede de relações ent re a cul tura escolar , cul tura da escola, cul turas sociais de referência, seus pontos de encont ro, ruptura e confl i to é fundamental para promover um processo educat ivo entendido como prát ica social em que estão presentes as tensões inerentes a uma sociedade como a nossa que vive processos de profunda t ransformação. É a própr ia concepção da escola, suas funções e relações com a sociedade, o conhecimento e a const rução de ident idades pessoais e cul turais que está em questão. Torna-se imprescindível hoje incorporar as questões relat ivas à ‘desnatural ização’ da cul tura escolar e da cul tura da escola na reflexão pedagógica e na prát ica diár ia das nossas escolas. Considero que as formulações de Forquin (1993, p.167) nos ajudam a iniciar esta discussão. Para este autor, cul tura escolar se pode defini r como o conjunto dos conteúdos cogni t ivos e simból icos que, selecionados, organizados, ‘normal izados’, ‘rot inizados’, sob o efei to dos 1 Pesquisadores do campo da Histór ia da Educação local izam nos anos 1990 as
produções brasi lei ras que tomam como referência a noção de cul tura escolar, tanto como categor ia de anál ise ou como campo de invest igação (FARIA FILHO et al l i , 2004) . 4 imperat ivos de didat ização, const i tuem habi tualmente o objeto de uma t ransmissão del iberada no contexto das escolas. Forquin (1992; 1993) nos diz que a escola seleciona uma ínfima parte do que a humanidade produziu para que seja transmitido às gerações futuras. A seleção do que será transmitido – a cul tura escolar – está intimamente ligada com os dispositivos cognitivos e simbólicos que estão em ação no campo social, o que não quer dizer que isto signifique simples reflexo da cultura dominante. Gimeno Sacristán (1995; 1996) vê a cul tura escolar como algo mais do que conteúdos cognitivos. Entende que “a cultura escolar é uma caracterização ou, melhor dito, uma reconstrução da cultura, feita em razão das próprias condições nas quais a escolarização reflete suas pautas de comportamento, pensamento e organização” (1996, p.34). A prática educativa é elemento constituinte que explica a cul tura escolar.
Nesta discussão, ele diferencia currículo formal do real . Entende por currículo formal aquilo que consta nos documentos oficiais sobre objetivos, conteúdos e temas que devem ser tratados na sala de aula. Por currículo real , aquele que propõe e impõe todo um sistema de comportamentos e de valores além dos conteúdos. Outro autor, Pérez Gómez, propõe considerar a escola como um espaço ecológico de cruzamento de cul turas, cuja responsabi l idade especí fica, que a dist ingue de out ras inst i tuições e instâncias de social ização e lhe confere sua própr ia ident idade e sua relat iva autonomia, é a mediação ref lexiva daqueles influxos plurais que as di ferentes cul turas exercem de forma permanente sobre as novas gerações, para faci l i tar seu desenvolvimento educat ivo (Pérez Gómez, 2001, p.17) . Segundo ele, é este cruzamento de culturas que dá sentido e consistência ao que os/as estudantes aprendem na vida escolar e aponta a realização de uma “mediação reflexiva” pela escola entre as propostas da cul tura crí t ica, alojada nas discipl inas cient í ficas, ar t íst icas e fi losóficas; as determinações da cul tura acadêmica, reflet ida nas definições que const i tuem o cur r ículo; os influxos da cul tura social , const i tuída pelos valores hegemônicos do cenár io social ; as pressões do cot idiano da cul tura inst i tucional , presente nos papéis, nas normas, nas rot inas e nos r i tos própr ios da escola como inst i tuição especí fica; e as caracter íst icas da cul tura experencial , adqui r ida individualmente pelo aluno at ravés da exper iência nos intercâmbios espontâneos com seu meio (Pérez Gómez, 2001, p.17) . 5  Ele discute o conceito de cultura escolar sob vários ângulos quando se refere ao cruzamento das culturas apontadas no espaço escolar. Este autor amplia a compreensão do conceito ao identificar as várias culturas que se cruzam, deslocando também o conceito de cul tura da escola usado por Forquin (1993).

Candau (2000, p.76) salientou que ambas as dimensões dos conceitos permitem uma interpenetração, de modo que cada uma delas está presente na outra: Somos conscientes da interpenet ração destas duas dimensões – a cul tura da escola está presente na cul tura escolar e vice-ver sa – mas, para efei tos da pesquisa de campo, pr ivi legiamos espaços especí ficos para observar e anal isar uma e out ra. Cul tura escolar é, na verdade, um conceito estruturante. O conceito de cul tura da escola é estruturado pelo conceito de cul tura escolar. De modo que, existindo diferença conceitual entre cul tura escolar e cul tura da escola como quer Forquin (1993), há dificuldades em estabelecer uma delimitação precisa entre ambas. Parto da definição de Forquin (1993, p.167) de cul tura da escola: a escola é também um ‘mundo social ’, que tem suas caracter íst icas de vida própr ias, seus r i tmos e seus r i tos, sua l inguagem, seu imaginár io, seus modos própr ios de regulação e de t ransgressão, seu regime própr io de produção e de gestão de símbolos. Primeiramente, este enfoque é o reconhecimento das características gerais do espaço escolar em contraposição a outros espaços e ambientes, sendo uma peculiaridade da instituição escola, “no sentido que se pode também falar da ‘cultura da oficina’ ou ‘cultura da prisão’” (Forquin, 1993, p.167) e não deve ser confundida, segundo o autor, com a cul tura escolar. Mas numa conceituação ampliada, é um ângulo que permite observar uma certa peculiaridade e singularidade de uma unidade escolar, realçando suas particularidades. Tal conceituação faz sentido, em minha interpretação, porque em parte é observar como se real iza a cul tura escolar em uma unidade escolar, de uma escola em particular. É um ângulo que permite ver a peculiaridade da instituição escola, daquele “mundo social”, fazendo emergir as diferenças importantes para compreensão de um processo de escolarização. 6 Assim, para efeito da minha discussão, e levando em conta as contribuições citadas, que enriquecem nossa percepção do espaço e do cotidiano escolar, trabalho com o conceito ampliado de cul tura escolar que está presente em Pérez Gómez (2001) e Gimeno Sacristán (1995, 1996), e reconhecendo a forte relação entre este conceito e o de cul tura da escola, considero mais proveitoso operar com a interpenetração dos conceitos na forma de cul tura escolar/cul tura da escola. Uma cultura social de referência: a cul tura do samba Nesta pesquisa focalizo um tipo de cultura presente no contexto onde está inserida uma unidade escolar. Procuro entender se e como uma cul tura social local cruza aquele espaço escolar. Esta cultura é a cultura do samba. Ela pode ser vista como um “conjunto de fenômenos socioculturais” (Velho, 1994), que contrasta com outros conjuntos como cul tura punk, cul tura Hip-Hop, por exemplo. O ponto de partida desta cultura é o gênero musical samba e suas modalidades, como samba-enredo, samba-de-partido-alto, samba-canção, samba- horo, samba-exaltação, samba-de-breque, samba-duro, na cidade do Rio de Janeiro. É a música e tudo que ela significa que organiza esta cultura. Pode-se dizer também que é uma expressão da cul tura popular brasileira, peculiarmente desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, principalmente marcada pela criação por parte de pessoas de camadas populares, a maioria negra, das áreas centrais aos subúrbios e favelas, ainda que não resumidas a estes extratos e espaços sociais (Vianna, 1995). Não é homogênea, como nenhuma cul tura o é (Ortiz, 1994). Musicalmente mantém proximidades com ritmos como jongo, caxambu e chorinho, e partilha costumes com apreciadores destes ritmos, até porque muitos compositores e instrumentistas fazem parte da produção de todos estes gêneros musicais. A presença fundante dos afro-brasileiros no samba é inquestionável (Cabral, 1996; Sodré, 1998) e constitui parte da história desta população. Sansone (2003) reconhece que: “ao cruzar o Atlântico Negro, a música desempenha um papel essencial na construção da 7 ident idade negra, tanto na versão tradicional quanto na versão contemporânea da cultura negra” (Sansone, 2003, p.204, grifos meus). Uma característica marcante é o desenvolvimento de algumas formas particulares de sociabilidade, tais como aquelas possibilitadas pelas Escolas de Samba,  rodas de samba, almoços comunitários dos sambistas e suas famílias etc., em que o corpo ganha um espaçopresença. Assim como em termos musicais a síncope “é a ausência no compasso da marcação de um tempo (fraco) que, no entanto, repercute noutro mais forte” (Sodré, 1998, p.11), a síncope incita aqueles que escutam a preencher o espaço vazio com uma marcação do corpo através do seu balanço, das palmas, dos meneios, da dança (ibidem)2. O samba nos ensina a marcar nossa existência com o corpo e não só com a razão. A cul tura do samba é composta de vários elementos, que se enriquecem constantemente e lhe dão identidade. A vivência nesta cultura implica uma relação com o mundo que a toma como uma das referências de vida e de construção simbólica da realidade. Podemos identificar alguns aspectos do processo de realização da cul tura do samba que implicam em sua construção e reconstrução: a) a mediação cultural – efetivada por grupos e indivíduos de culturas diferentes, possibilitando interligações entre culturas diferentes; b) identidade cultural – afirma-se uma identidade carioca e brasileira; c) afirmação social da população negra através de uma maior visibilidade positiva; d) memória coletiva; e) solidariedade, reforçando os laços de amizade e ajuda mútua; f) sociabilidade, facilitando processos de integração social; g) anti-racismo, inexistência de preconceitos raciais e favorecimento de integração racial; h) tradição e renovação; i) contradições e conflitos, fruto das relações sociais, econômicas e culturais que historicamente vive a população carioca; e j) socialização dos saberes e práticas referentes ao samba e também a ethos, códigos, estratégias de sobrevivência, que constituem um processo educativo. 2 O samba, ao conquistar parcelas não negras, desenvolveu out ras formas de uso do corpo na população brasi lei ra. O que era antes caracter íst ica somente da população negra foi também se tornando da população não negra, numa troca cultural que caracteriza a cultura do samba. 8  Tramonte (2001) diz que as Escolas de Samba são ‘locus’ educativos das classes populares e aponta seis processos pedagógicos das Escolas de Samba: pedagogia da ação social, pedagogia da ação política, pedagogia dos valores éticos e morais, pedagogia da ação escolar, pedagogia da ação cultural e pedagogia da arte. A cul tura do samba está lastreada num fazer histórico e numa relação com o mundo que fazem daqueles que constroem e pertencem a esta cultura, sujeitos históricos. Ela faz parte dos modos de vida de parte considerável da população carioca e se constitui em parte de sua identidade cultural. A Escola Azul na passarela As escolas, numa analogia aos desfiles das escolas de samba, fazem seu “desfile” todos os dias em que têm atividades. Este “desfile” pode ser visto nas salas de aula – o epicentro da cul tura escolar – mas também em todos os elementos que concorrem para que elas existam: as regras, normas, rotinas, currículo explícito e implícito, as atividades dos atores e as relações que se estabelecem no cotidiano escolar, constituindo a cul tura escolar/cul tura da escola, que sintetizo a seguir alguns de seus elementos. Em termos curriculares, como toda escola municipal da cidade do Rio de Janeiro, o currículo segue a linha do Multieducação: propõe que, cada professor , e equipes escolares repensem e replanejem suas ações pedagógicas visando uma sociedade mais justa e democrát ica, na qual os Princípios Educat ivos do Meio Ambiente, do Trabalho, da Cul tura e das Linguagens ao se ar t icularem com os Núcleos Concei tuais da Ident idade, do Tempo, Espaço e da Transformação viabi l izem at ravés da ação escolar , a cont r ibuição indispensável para a real ização deste desejo (SME, 1996, p.112) Na concepção do Multieducação, a articulação entre os Princípios Educativos (que partem de uma visão holística de meio ambiente, trabalho, cul tura e l inguagens) e os Núcleos Conceituais (transformação, tempo, espaço e identidade) propostos, possibilita à escola contribuir para uma sociedade mais justa, democrática e, conseqüentemente, promovendo a cidadania. Neste raciocínio estaria contemplada uma nova prática pedagógica, embora mantendo um currículo disciplinarizado. Este fator, como nota Araújo (2003), tende a manter uma concepção 9 cartesiana, dificultando uma pedagogia centrada no projeto políticopedagógico que a escola busca implementar. Na Escola Azul, embora tenha sala de aula própria para música e dança e o Núcleo de Adolescentes ensaiar street dance no pátio, não há, por parte da disciplina de Educação Física, nenhuma atividade que contemple este tipo de trabalho com o corpo, como capoeira, samba, funk, hip hop, jongo etc. Gariglio (2004, p.168) mostra como “os ambientes para a EF [Educação Física] são organizados em função das regras e dos princípios oriundos do âmbito esportivo”. Assume-se códigos próprios da instituição esportiva que o autor resume em: “princípios de rendimentos atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos, regulamentação rígida e formal, racional ização de meios e técnicas” (p.169, grifos meus). O fato de não haver o tradicional recreio aponta para a intenção de disciplinar, condicionar, regular, controlar, “organizar” e “administrar” os/as estudantes e a escola. A diretora justifica o fim do recreio (desde 1998) argumentando que se serve café da manhã e depois almoço na saída do turno da manhã e na entrada do turno da tarde, com lanche na saída deste último turno, e acrescenta: “acabamos com aquela correria” (grifo meu), dizendo que conversou com professores e responsáveis para implantar tal procedimento. Se tal discussão foi feita devidamente não consegui identificar, mas durante toda minha observação e entrevistas, apenas um aluno reclamou a falta de recreio. Com relação à composição racial, é muito forte a presença negra (ou afro-brasileira) na escola. Estão presentes também muitas crianças fruto de relações inter- aciais, pelo tom da pele, tipo de cabelo, pelos fenótipos diferenciados observados entre as crianças e as/os responsáveis  que as acompanham. Várias alunas negras usam penteados afros. Embora não fazendo levantamento estatístico através de censo ou amostra, visualmente é impactante a maioria negra nesta escola. Para uma escola com uma participação tão alta de estudantes negros/as, a questão racial toma uma importância ainda maior. Como aponta a pesquisa de Candau (2003), existem evidências de processos de discriminação, às vezes sutis, nas práticas sociais e 10 educacionais. O silenciamento da questão racial pela cul tura escolar/cul tura da escola é um fato na Escola Azul, evidenciado, por exemplo, pelo resultado da avaliação institucional, onde o problema apareceu para a surpresa das professoras que estavam na reunião do Centro de Estudos: “eu fiquei muito preocupada com a questão do racismo!”, disse a professora de História, acompanhada pela professora da sala de leitura: “é verdade, eles são negros, mulatos, mas criticam os outros por serem negros!”. Contudo, o assunto não passou destas observações e exclamações. Cavalleiro (2001), refutando a idéia de que falar de racismo em ambiente escolar seja lamentação, mostra que é importante dar visibilidade a esta problemática que atinge crianças e adolescentes negros. Ela afirma que “nas escolas, o racismo se expressa de múltiplas formas: negação das tradições africanas e afro-brasileiras, dos nossos costumes, negação da nossa filosofia de vida, de nossa posição no mundo... da nossa humanidade” (Cavalleiro, 2001, p.7). O silêncio agrava-se também pelo fato da existência hoje de uma crescente produção acerca da questão racial, especificamente no campo da Educação (Miranda, Aguiar e Di Pierro, 2004). A Escola Azul e a cultura do samba A Escola Azul realizou, entre 1999 e 20023, no mês de junho, desfiles carnavalescos nos moldes de escola de samba – os “desfiles ecológicos” – pelas ruas do bairro, tendo como “enredo” o meio ambiente. Entretanto, este dado não é, necessariamente, o que parece à primeira vista: uma integração da cul tura do samba à cul tura escolar/cul tura da escola de maneira intencional. Trabalhando a questão do meio ambiente, o desfile envolveu várias/os professoras/es e suas disciplinas. Em Português, através de análise de sambas enredo, fazendo paródia de um deles para se cantar durante o desfile; em Economia do Lar trabalhou na confecção das fantasias; em Ciências e Técnicas Agrícolas também aproveitou o 3 Esta pesquisa foi real izada em 2003/2004. 11“enredo” na temática do meio ambiente. A conscientização sobre a questão ambiental e particularmente o problema da poluição do rio que passa em frente à escola foram aspectos centrais dos desfiles. A proposta da Escola Azul de trabalhar com projeto a possibilitou recorrer a um “desfile ecológico” para educar sobre o meio ambiente, numa atitude inovadora e audaciosa para as práticas educacionais da escola pública, que requer engajamento da direção, professoras/es, estudantes e apoio da comunidade do bairro e das/os responsáveis. O resultado foi a realização de uma teatralização (esta pode ser uma definição para o evento) do tema do meio ambiente como um desfile de escola de sambas. Mas ao teatral izar um desfile de escola de samba no bairro, com o tema do meio ambiente, podemos afirmar que a escola trabalhou com uma cul tura social de referência dos/as alunos/as? Ao analisá-la do ponto de vista de uma atividade teatralizada, estou pondo ênfase em que a escola deu mais importância ao tema que quis apresentar e não ao modo, ao processo que leva à educação. Para termos uma idéia da diferença entre teatralizar e lidar com os saberes da cul tura do samba, aponto, por exemplo, a não existência da bateria, a “alma” de uma escola de samba. Nas quatro edições, em nenhuma delas o desfile ecológico teve bateria, mestre-sala e porta-bandeira e passistas, alguns dos elementos fundamentais construídos pela cul tura do samba para um desfile. Chamo atenção para estes aspectos porque têm grande implicação: significa – na atividade realizada pela Escola Azul – que o mais importante é a apresentação do tema e não o modo como se educa. Esta é uma discussão conhecida no campo da educação. O tema ou o conteúdo é fundamental, mas sabe-se que também importa muito como se educa. Os saberes desenvolvidos na escola de samba, por exemplo, com relação à arte (combinação estética, equilíbrio das cores, angulação e perspectiva das alegorias etc.) podem ser aplicados, inclusive de uma forma interdisciplinar, com os/as estudantes, num processo que elabora conhecimentos. Do modo como se fazia não havia preocupação com os saberes construídos pelos sambistas, no sentido de entender a cul tura do samba como produtora de saberes, de conhecimento, não apenas como suporte 12 ou atividade lúdica, passível de ser teatralizada. Da maneira como foi realizada, como uma bela, criativa e interessante ilustração da forma de trabalhar com projeto, pode ser também interpretada como uma forma da escola lidar com a cul tura popular, como diz Canclini (1997), apenas com os seus objetos, suas coisas, deixando de lado os agentes sociais e os processos, fazendo uma reificação da cul tura do samba. Não se percebe a importância da instituição Escola de Samba para o Brasil e para o bairro, assim como os saberes ali produzidos. Uma contradição que é fruto da força que tem a cul tura escolar/cul tura da escola, que resiste aos elementos que a ela não pertence. A professora de alfabetização, por exemplo, falando da questão do meio ambiente, tão discutida na escola, diz que “o nosso maior carrochefe para explicar isso é o desfile ecológico. Há uma participação incrível de pais. Têm pais que faltam ao trabalho. Pais que eu digo, assim, responsável : pai, mãe, avó, tia, responsável pelo aluno”. Esta professora, contudo, ao trabalhar conteúdos em sala de aula, em que alguns exercícios estavam ligados ao som da letra “m”, do tipo que completa a frase, assim como ditado com palavras como bombom, tampa, bombeiro etc, em nenhum momento usou palavras como samba ou bamba, que são comuns no universo do bairro de Oswaldo Cruz. Apesar de poucas manifestações espontâneas sobre sua cultura musical na escola – nos momentos de espera para as aulas de educação física, algumas garotas negras faziam passos de funk, um garoto afrobrasileiro fazia batucada imitando a batida de instrumento de percussão – os/as estudantes têm suas preferências que se caracterizam por serem plurais, como mostram alguns depoimentos: aluna negra da 7ª série, “Gosto de Hip-Hop, não gosto muito de funk, gosto de música gospel , dança contemporânea, como eu faço: street dance, balé, pagode, samba...”; aluna da 8ª série, branca, “Eu gosto muito de música negra, americana e brasileira”; outra aluna da 8ª série, branca, “Um pouquinho de cada coisa: funk, Hip-Hop, axé, samba, pagode, tudo”; aluna da 6ª série, negra, “Gosto de samba, funk, gosto de Hip-Hop”; aluna negra, 7ª série, explica porque não gosta de samba, “samba é do tempo da minha avó e pagode eu gosto porque canta músicas românticas”. 13 Cultura do samba, culturas juvenis e mídia Estes depoimentos trazem uma reflexão relacionada à hipótese inicial da pesquisa, que considerava presente no bairro e por extensão no espaço da escola, através de seus/uas alunos/as oriundos do bairro, de uma cul tura do samba. Embora existam marcas da existência desta cultura na escola, pela relação de várias/os professoras/es, diretoras, responsáveis, com o samba, é fato que existem cul turas juvenis, em que o samba mais tradicional (seja na forma de samba-enredo, seja na forma de “samba de raiz”) está pouco presente e não é valorizado, tendo espaço quase que somente o chamado “pagode”, designação dada pela indústria fonográfica e pela mídia, principalmente a televisiva, para os sambas com estilos mais “românticos” ou coreografados dos grupos que surgiram no final da década de 1980 e fizeram enorme sucesso nos anos 1990, como Raça Negra, Raça, Só Pra Contrariar, Negritude Jr, Molejo etc, tendo ainda continuidade nos dias de hoje, embora sem o mesmo sucesso de antes. É preciso reconhecer a existência de cul turas juvenis, que para Reguillo (2004, p.5) são um conjunto heterogêneo de expressões e prát icas sócio-cul turais cuja especi ficidade é definida pela at r ibuição que os própr ios jovens fazem a uma cer ta cor rente cul tural (por exemplo, o movimento hippie, que pode ser considerado como um precur sor destes processos) cujos componentes básicos são a ideologia, o est i lo (ou dramat ização da ident idade) e os consumos cul turais (música, l i teratura, cinema, etc. ) . Em um artigo que discute as cul turas juvenis como um campo de estudo, Reguillo (2003) reconhece o caráter de categoria construída do termo juventude, mas aponta que as categorias são ao mesmo tempo produtos do acordo social e produtoras do mundo. A mesma compreensão tem Dayrell (2003, 49): “o tempo da juventude, para eles, localiza-se no aqui e no agora, imersos que estão no presente”. O funk “é uma expressão cultural juvenil centrada no coletivo da música”, diz Sansone (2004, p.174), em pesquisa desenvolvida no Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. “O funk diz respeito sobretudo aos jovens de classe baixa, negros e mestiços em sua vasta maioria, mais comumente rapazes do que moças, e na faixa etária de 13 a 20 anos” 14 (ibidem). O uso de determinadas roupas e tênis de marca, visual surfista misturado com elementos de trajes de Hip-Hop estadunidense é uma das características dos funkeiros (Herschmann, 2000; Sansone, 2004). Um movimento que cresceu rapidamente e, apesar do preconceito e perseguição da mídia por largo tempo (Herschmann, 2000; Vianna, 1997) está hoje estabelecido no mercado fonográfico e midiático. Neste início do século XXI o Hip-Hop tem aumentado sua influência na cul tura juveni l carioca (e não só nela), ainda que haja uma certa confusão na definição do que é Hip-Hop. Isto se deve à avalanche de filmes no cinema e na TV, além de seriados, videoclipes (Herschmann, 2000), e pessoas famosas gravando rap. Também alguns ritmos brasileiros que tiveram grande divulgação pela mídia lograram enorme sucesso, como o “sertanejo”, o “axé” e o “pagode”. A força da cultura midiática atinge a todos, principalmente as crianças e os adolescentes de hoje. Em Oswaldo Cruz não é diferente. Cerca de 22% da população do bairro situa-se entre 5 e 19 anos. São gerações formadas e em formação com enorme presença da mídia, principalmente a televisão, que apresenta as cul turas juvenis que jovens tendem a se sentir ligados sob pena de estarem “fora do contexto”. Nestas cul turas juvenis, que têm características próprias de como se comportar, formas de vestir, falar e objetos a consumir, a música tem muita importância. O que a mídia veicula é o que está na moda ou passa a ser moda. Curtir a música da moda é curtir a música da sua geração. Isto constitui uma demarcação identitária. Outro aspecto das cul turas juvenis é seu não apego à tradição (Herschmann, 2000). Para os jovens seu ser e fazer está ligado no presente, e o mercado captou perfeitamente este aspecto (Dayrell, 2003; Reguillo, 2003, Sansone, 2003 e 2004). A mescla, o hibridismo, são constantes, assim como a aceitação do novo. Ainda outro aspecto das cul turas juvenis refere-se ao fato dos jovens não ficarem presos a territorialidades, o que lhes permitem mais e diferentes contatos, trocas culturais que relativizam sua relação com o local. No bairro de Oswaldo Cruz sempre houve rodas de samba, algumas delas atraindo gente de vários lugares da cidade. Contudo, em termos de faixa etária, nota-se uma insignificante presença de jovens abaixo dos 20 15 anos de idade. Mas na maior festa do bairro, o “Pagode do trem”, um evento organizado por sambistas “de raiz” que ganhou projeção na mídia, aglutina-se milhares de pessoas de diferentes idades e vários lugares da região metropolitana. É uma atividade que a cada ano cresce mais. A população tem orgulho da festa e participa massivamente. Esta atividade resgata, na compreensão de seus organizadores e também dos moradores, a tradição do samba e chama atenção para o bairro de sua identidade e potencialidade. É uma festa que afirma a cul tura do samba no bairro. Assim, procurei mostrar acima que a cul tura do samba em algum nível permeia o espaço escolar e os atores da Escola Azul. O “desfile ecológico”, ainda que sem a intencionalidade claramente explicitada e da percepção da relação com uma das identidades culturais do bairro, é uma tentativa de diálogo da escola com uma das cul turas de referência dos/as alunos/as. A observação e as entrevistas com os/as estudantes, não colocaram em relevo uma grande ligação daqueles/as alunos/as com a cul tura do samba, uma vez que estão inseridos em várias culturas musicais e juvenis. Por outro lado, no bairro e no restante da comunidade escolar, as/os responsáveis por alunos/as, as diretoras e as/os professoras/es da Escola Azul, revelaram em algum nível, sua relação com a cul tura do samba. Assim, considerando todos estes aspectos, podemos concluir que existe uma relação, que classifico como fraca, de tentativa de diálogo entre a cul tura do samba e a Escola Azul. Desta maneira, considero ser um exagero af irmar que a Escola Azul é o si lêncio da batucada. Mais apropriadamente, poderíamos dizer que a escola está ouvindo a batucada, que está lá fora... A escola e o samba: considerações finais A escola tem como papel o desempenho de algumas funções que não são realizadas por outras instâncias. A socialização, a instrução e a educação, são correlacionadas e levadas à prática através de uma sistematização de informação selecionada e ordenada, que busca dar sentido e possibilitar conhecimentos. A seleção dos conteúdos está orientada para aqueles saberes legitimados. Mais do que isto, os conteúdos e a prática pedagógica estão fortemente orientados por uma 16 cul tura de transmissão de conhecimentos e uma cul tura de interação entre os atores que vem a ser a cul tura escolar/cul tura da  escola, quase impermeável ao que vem de fora. Conseqüentemente, a cul tura escolar/cul tura da escola resultante tende a ser monocultural e homogeneizadora. Desse modo, entre os muitos questionamentos à cul tura escolar/cul tura da escola que se vê nos dias de hoje, está o não reconhecimento da pluralidade cultural da população brasileira. Uma realidade multicultural que se insiste que a escola reconheça e com ela dialogue. Neste sentido, o samba – ou a cul tura do samba – pode ser considerado como elemento significativo para o diálogo num local como a cidade do Rio de Janeiro. Contudo, é preciso levar em conta as especificidades do papel da escola. Existe uma tradição da cul tura escolar/cultura da escola centrada nos saberes considerados socialmente significativos, onde crianças e jovens podem adquirir disposições e competências diferentes daquelas que podem obter espontaneamente e ao acaso, e que não são obtidos em outros lugares. Ou seja, é na escola que se tem acesso a estes saberes, principalmente nas camadas populares. A questão é – e sempre será – quais são e por que são determinados saberes selecionados e outros não. Por outro lado, é preciso reconhecer as complexas redes de comunicação e contatos no mundo atual, o poder de influência da mídia e a existência de inúmeras cul turas juvenis, onde a territorialidade, em termos culturais, perde sentido. Isto nos ajuda a re-situar o olhar, complexificando a análise, ao pensar as relações entre a cul tura escolar/cul tura da escola e uma cul tura social de referência, numa metrópole do século XXI como a cidade do Rio de Janeiro. Este enredo, podemos dizer, está em aberto.

 Referências bibliográficas

 ARAÚJO, Ulisses F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. 10 v. Brasília: MEC/SEF, 1997. CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar Ed, 1996. CANDAU, Vera Maria (coord.). Cotidiano escolar e Cultura(s): desvelando o dia a dia... Mimeo. Rio de Janeiro: Departamento de Educação PUC-Rio/CNPq, 1998a. _________. Somos tod@s iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. CANDAU, Vera Maria. Interculturalidade e Educação na América Latina. Rio de Janeiro, Revista Nuevamerica, n.77, p.38-43, abr/1998b. _________. Cotidiano escolar e cultura(s): encontros e desencontros. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2000, p.61-78. CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Prefácio. In: CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001. p.7-10 DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação, nº24, p.40-52, Set/Out/Nov/Dez 2003. FARIA FILHO, Luciano Mendes, GONÇALVES, Irlen Antônio, VIDAL, Diana Gonçalves, PAULILO, André Luiz. A cul tura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira. Educação e Pesquisa, vol.30/01, p.139-159, jan/abr/2004. FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria & Educação, n.5, p.28-49, 1992. __________. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: Edusp, 1997. GARIGLIO, José Ângelo. A cultura docente de professores de educação física de uma escola profissionalizante: saberes e práticas profissionais em contexto de ações situadas. Rio de Janeiro, 2004. 291p. Tese (Doutorado em Educação) – Departamento de Educação. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. GIMENO SACRISTÁN, J. Gimeno. Escolarização e cultura: a dupla determinação. In: SILVA, Luis Heron da e outros. Novos Mapas Culturais: Novas Perspectivas Educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996, p.34-57 ________. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, T.T. da & MOREIRA, A.F. (orgs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1995, p.82- 113 HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip-hop invadem a cena. Rio de Janeiro: UFRJ Ed, 2000. 18 IBGE. Censo Demográfico 2000. Características gerais da população. Resultados da amostra. Tabelas de resultados. Disponível em: . Acesso em 21/02/2005. MIRANDA, Claudia, AGUIAR, Francisco L. de, DI PIERRO, Maria C. (orgs.), Bibliografia Básica sobre Relações Raciais e Educação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2004. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n.23, p.156-168, mai/jun/jul/ago, 2003. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. PÉREZ GÓMEZ, Angel I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: Artmed, 2001. REGUILLO, Rossana. Las culturas juveniles: un campo de estúdio; breve agenda para la discusión. Revista Brasileira de Educação, nº 23, p.103- 118, mai/jun/jul/ago/2003. _________. As culturas juvenis. Entrevista. Revista Nuevamerica, nº 101, p.4-18, março/2004. SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Rio de Janeiro: Pallas, 2004. __________. Jovens e oportunidades: as mudanças na década de 1990 – variações por cor e classe. In: HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson do Valle (orgs.). Origens e destinos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, p.245-279. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. MULTIEDUCAÇÃO: Núcleo Curricular Básico. Rio de Janeiro: 1996. SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. TRAMONTE, Cristiana. O samba conquista passagem: as estratégias e a ação educativa das escolas de samba. Petrópolis: Vozes, 2001. VELHO, Gilberto. Cultura popular e sociedade de massas. In: Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994, p.63-70. VIANNA, Hermano. O mistério do samba. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge  Zahar Ed./Ed. UFRJ, 1995. ________. O mundo funk carioca. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O SAMBA DE BUMBO EM PIRAPORA: CONSTRUÇÃO DE UMA EXPRESSÃO?


por Fernanda de Freitas Dias*


RESUMO:

Este artigo apresenta alguns resultados parciais obtidos em minha pesquisa de mestrado. Assim, aponto um panorama histórico sobre o samba de bumbo na cidade de Pirapora do Bom Jesus, interior de São Paulo, bem como suas intersecções com o samba na cidade de São Paulo. Também, busca-se problematizar alguns aspectos, os quais podem esclarecer o processo de desenvolvimento do samba de bumbo de Pirapora enquanto manifestação cultural antes reprimida e estigmatizada pelos órgãos oficiais e atualmente exaltada pela prefeitura da cidade e por sambistas envolvidos com o samba paulista. 

PALAVRAS-CHAVE: Samba; Samba Rural; Samba de Bumbo; Samba Paulista.

ABSTRACT:

This article shows some partial results gained in my Master Degree research. So, I point a historical viel about the bumbo samba in the city of Pirapora do Bom Jesus, inside of São Paulo, and also their intersections with the samba of São Paulo city. Besides, it fetches to make a problem with some aspects, that can clear up the process of development of the bumbo samba in Pirapora until it comes a cultural expression before reprimand and branded by the oficial body and nowadays overexcited by the town hall city and by sambistas involved with samba, considering the atual conception around Pirapora as the “ samba´s cradle” paulista.

KEY-WORDS: Samba; Rural Samba; Bumbo Samba; Paulista Samba.


Objetivos

Os objetivos do presente artigo são: realizar um breve histórico sobre o desenvolvimento do samba de bumbo no Estado de São Paulo e na cidade de Pirapora do Bom Jesus; problematizar a concepção vigente da cidade de Pirapora enquanto “berço” do samba paulista; apontar para algumas mudanças, re-significações, pelas quais tem passado o samba de bumbo na localidade.


Justificativa

O estudo do samba em uma cidade pequena do interior paulista, como Pirapora do Bom Jesus, mostra-se relevante, pois nos permite apreender uma visão multifacetada e * Mestranda em Música, sub-área musicologia/etnomusicologia, pelo Instituto de Artes da UNESP. Pesquisa fomentada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
relativizada do samba no Brasil. Isto devido ao fato da maioria da literatura acadêmica, sobre o tema, se inclinar para o estudo do samba no Rio de Janeiro e na organização das grandes escolas de samba cariocas e paulistas, sendo que este se manifesta em diversas regiões do país. Exemplos disso são o samba de roda na Bahia e o samba rural do interior de São Paulo.
Assim, poucos estudos são dedicados ao samba produzido no interior paulista, região com organizações sociais e tradições peculiares. Com exceção de poucos trabalhos1, a maioria das pesquisas produzidas na área, remete-se ao início do século XX, e não coloca em questão as re-significações pelas quais passou o samba rural paulista, inserido em um outro contexto, com diferentes formas de significações e inserido em um cenário de constantes mudanças ocorridas no período da pós-modernidade. Mário de Andrade (1937) realizou um estudo etnográfico sobre esse tipo de samba em São Paulo nos anos de 1931, 1933, 1934 e em Pirapora do Bom Jesus no ano de 1937. Em Pirapora fez um levantamento das músicas tocadas pelos sambistas, dos instrumentos utilizados na execução do samba, e descreveu o alojamento onde permaneciam os negros nos dias de festa, entre outros aspectos. Enfim, foi feito um trabalho descritivo (semelhante ao trabalho de Mário Vagner Carneiro da Cunha), sem uma análise mais aprofundada dos fatos e dos elementos simbólicos que a manifestação encerrava naquele contexto. A presente pesquisa, dessa forma, permitiria uma atualização na área de estudos sobre o samba rural paulista, levando em consideração o processo histórico e sócio-cultural no qual está envolvido, problematizando a questão dessa manifestação em Pirapora do Bom Jesus, não se restringindo ao estudo do samba somente nos grandes centros industriais
brasileiros.


Fundamentação teórica

O objetivo maior deste trabalho é o estudo do “samba de bumbo” em Pirapora do Bom Jesus, cidade situada a 50 quilômetros da capital paulista. Para a análise do samba de bumbo em Pirapora parte-se da história do samba no Estado de São Paulo e também na cidade de São Paulo.
O samba de bumbo surge nas fazendas de café do interior paulista no século XIX, sendo introduzido na capital paulista na passagem no século XIX para o século XX, quando ocorre a migração de negros, ex-escravos, para capital em busca de melhores condições de vida. O termo “samba de bumbo” é apontado por MANZATTI (2005), em detrimento do termo tradicionalmente usado “samba rural”. Isto porque o samba realizado tanto nas cidades no interior, como na capital, já está, há muito tempo, incluído em ambiente urbano. Outra razão pela utilização do conceito, é o fato de o bumbo ser o elemento, instrumento, que diferencia este gênero dos demais sob a denominação “samba”. Um instrumento muito presente em músicas nordestinas, bandas de Zé Pereira, o bumbo possui ascendência ibérica, sendo apropriado e re-significado pelos negros agentes produtores do samba de bumbo:

1 Ver Manzati (2005). Em sua dissertação de mestrado, o autor realiza um estudo sobre o samba de bumbo no Estado de São Paulo, em suas diferentes modalidades nas cidades do interior paulista, e coloca as cidades em que o samba de bumbo ainda hoje é praticado. “O Bumbo é importante, também, não só por sua presença curiosa, que ainda precisa ser explicada do ponto de vista histórico, uma vez que representou o abandono dos tradicionais tambores de tronco, realizando uma passagem com muitas implicações para a própria timbrística da música a ser realizada, mas principalmente, porque é ele quem conduz toda a rítmica da manifestação, além de centralizar, como um magneto, todos os outros instrumentos e participantes da roda, que a ele se dirigem para iniciar ou interromper uma música. Alguns sambistas atribuem ao Bumbo forças religiosas ou sobrenaturais, relação idêntica à construída com os atabaques nos cultos afro-brasileiros e, antes disso, com todos os tambores mestres das danças afro-brasileiras ancestrais.” (MANZATTI, p. 20, 2005)

O samba de bumbo teve diferentes denominações de acordo com a época e com a localidade em que ocorria. Assim, os termos encontrados designando a manifestação são: simplesmente “samba”, “samba campineiro”, “samba antigo”, “samba de terreiro”, “samba de umbigada”, “samba caipira”, “samba lenço”, “samba de Pirapora”, ou “samba paulista”. O samba de bumbo é praticado hoje em algumas localidades do interior e na capital paulista, entretanto, em outras cidades a manifestação, que outrora esteve presente, desapareceu: “O Samba de Bumbo, hoje, é praticado nos municípios de Santana de Parnaíba (grupos Cururuquara e Grito da Noite), Vinhedo (Samba de Da. Aurora), Mauá (Samba Lenço), Quadra (Samba Caipira) e Pirapora do
Bom Jesus (Samba de Roda). Sua área de ocorrência, no entanto, estendeu-se, no passado, a muitas outras localidades, como Rio Claro, Campinas, Piracicaba, São Simão e Itapira – na região conhecida antigamente como oeste -, chegando a Itapeva e Guaxupé – Estado de Minas Gerais; Itu, São Roque, Sorocaba, Araçoiaba da Serra, Botucatu, Laranjal Paulista e Tietê, no eixo médio do rio homônimo, na antiga área de projeção bandeirante em direção aos sertões de Mato Grosso; e, também, Redenção da Serra, Jacareí e Caçapava – no Vale do Paraíba, dentre outras.” (MANZATTI, p. 22, 2005)

A origem do samba de bumbo no interior do estado de São Paulo esteve condicionada à transferência de um grande contingente de negros, vindos diretamente da África para o porto do Rio de Janeiro, e levados para a região sudeste e sul do país entre os séculos XVIII e XIX. Assim, era grande a concentração de negros de origem cultural Bantu2 na região sudeste, onde surge o samba de bumbo, configurando um terreno muito fértil para a reprodução dos padrões culturais africanos, compondo, dessa forma, um local de grande interação cultural. Manzatti aponta que o samba de bumbo se desenvolveu inicialmente no centro-oeste do Estado já no fim do século XVIII, sendo atingido seu ápice com sua expansão: “(...) do centro mais importante da produção cafeeira do país à época, um pouco para o sul de Minas Gerais e, sobretudo, para a região metropolitana da capital, a periferia do centro administrativo e industrial, entre o final do século XIX e o início do século XX.” (MANZATTI, p. 48, 2005)

2 De acordo com Manzatti, as manifestações culturais Bantu estavam centradas no continente africano, em sua porção média e meridional. A diversidade de sambas em diferentes cidades do interior, com suas diferentes formas e nomes, é concebida, pelo autor, como pertencentes a um todo mais complexo, sendo este o “samba de bumbo”. Ainda em ambiente rural, o samba de bumbo (e mesmo quando é introduzido na capital, como o samba-lenço) é parte componente dos rituais religiosos ocorridos em homenagem aos santos padroeiros católicos, como São João, São
Benedito, Nossa Senhora Aparecida, Bom Jesus, entre outros. O samba de bumbo assumiu a sua conformação atual no século XIX, sendo que na passagem para o século XX este passou a estar presente nos bairros periféricos na cidade de São Paulo. Assim, com a introdução da cultura cafeeira, no século XIX, no centro-oeste e no Vale do Paraíba, inicia-se a presença negra nesta localidade. Nestas fazendas de café havia um grande número de escravos vindos diretamente da África. Já no tocante à cidade de Santos, no litoral, onde eram escoados produtos para exportação, e também à cidade de São Paulo, especificamente, a presença de negros já se notava no início do século XVIII. Portanto, os batuques que tiveram importância decisiva na formação do samba de bumbo estavam situados em alguns locais específicos: “Os Batuques que deam origem ao Samba de Bumbo, por sua vez, estarão concentrados na região centro-oeste do Estado, ao longo das antigas rotas bandeirantes – rio Tietê (hoje em dia, relativamente margeado pela Rodovia Castelo Branco), caminho de Goiás (atual Rodovia Anhangüera) e caminho de Mato Grosso (atual Rodovia Washington Luís)” (MANZATTI, p. 82, 2005) 

AYALA (1987) aponta a presença do samba de bumbo na grande São Paulo, em Mauá. Denominado samba-lenço, a manifestação se desenvolveu na cidade, devido à migração de pessoas vindas do interior do Estado de São Paulo, que traziam consigo as expressões culturais realizadas em suas cidades de origem. O que explicaria a presença deste samba “rural” em um ambiente já urbano seria, conforme TNIHORÃO (2001), o fato de as novas camadas emergentes na cidade de São Paulo não terem um modelo urbano no qual pudessem se enquadrar, isto em decorrência da cidade ter preservado sua condição de centro administrativo de economia rural, de modo que as camadas mais baixas tendiam a reproduzir as formas de lazer típicas do mundo rural: “Em São Paulo os componentes das novas camadas populares passavam a sair da cidade para integrar-se às festas religiosoprofanas de Pirapora do Bom Jesus, espécie de capital da área do batuque rural do médio Tietê”. (TINHORÃO, 2001, p. 22)

Um importante foco de propagação deste samba dito “rural” na cidade de São Paulo era o já extinto Largo da Banana, situado na Barra Funda, o equivalente à Praça Onze no Rio de Janeiro, no que concerne ao desenvolvimento e festejo do samba. Lá os trens descarregavam bananas trazidas de outras regiões e muitos negros trabalhavam como carregadores e ensacadores. O Largo era também um espaço de sociabilidade da população negra paulistana, sendo que, nas horas vagas, entre um trem e outro, estes trabalhadores formavam rodas de samba e tiririca. A tiririca era um jogo de pernada, semelhante à capoeira, que misturava samba e jogo, tocado ao som do samba paulista com instrumentos improvisados como: a caixa de engraxate, tampa de graxa, caixa de lixo, pedaços de madeira, entre outros.3 O Largo da Banana seria, assim, o núcleo de formação e difusão do samba paulistano. O samba começava na Barra Funda (Largo da Banana) e chegava a comportar até duas mil pessoas quando chegava na Alameda Glete, sendo que o festejo do samba e da tiririca só acabava quando a polícia chegava. Como o Largo da Banana, houve outros redutos na cidade de São Paulo em que o samba tinha presença garantida:
“Esses redutos eram do conhecimento de todos que se ligavam a um ou a outro, de acordo com suas afinidades. Um dos mais importantes era a casa da Tia Olímpia na Rua Anhangüera na Barra Funda, quase encostada na linha do trem. Ali a “dona do samba”, como era chamada, promovia regularmente o samba de roda, congregando gente famosa, incluindo os bambas da Glete.” (BRITTO, p. 68, 1981)

Tais foliões, componentes de grupos carnavalescos viajavam até Pirapora para a Festa do bom Jesus em agosto, mantendo um forte contato com a manifestação cultural em questão ocorrida em Pirapora do Bom Jesus, fato que se reflete mesmo na formação do carnaval paulistano: “O permanente contato entre eles e esse tipo de manifestação deve ter sido o responsável pela inclusão do instrumental do samba-de-bumbo nos primeiros Cordões da Capital, embora estes se utilizassem do ritmo de marcha”. (MORAES, p. 19, 1978). O “bumbo” foi um instrumento de notável importância na formação do batuque4 , nos Cordões paulistanos. Entretanto, com a Oficialização do Desfile das Escolas de Samba paulistas em 1968, as organizações passaram a ser estruturadas conforme o modelo carioca, sendo todos os elementos herdados dos cordões, paulatinamente, substituídos por elementos presentes nos desfiles carnavalescos cariocas. Já especificamente sobre a cidade de Pirapora do Bom Jesus, esta se desenvolveu desde o século XVIII, em torno de uma forte tradição religiosa. Em 1725 foi encontrada uma imagem do santo Bom Jesus que, conforme relatos de pessoas que o encontraram, teria operado milagres até ser levada a Pirapora. A partir daí, uma festa em homenagem ao santo padroeiro da cidade passou a ocorrer nos dias 3, 4, 5 e 6 de agosto. Inicialmente, a festa era oferecida para romeiros que, como agradecimento ao santo por “graças” alcançadas, ou cumprindo promessas, compareciam a Pirapora nos dias de festa ou faziam romarias vindas de cidades vizinhas. Entretanto, com o crescimento da “festa religiosa” surgiu também a “festa profana”, em que negros de várias localidades do interior do Estado compareciam por motivos religiosos e, também, para festejar o samba. CUNHA denomina piraporeanos os negros e mulatos que compareciam ao samba nos dias de festa esquecendo-se, segundo o autor, da existência de uma festa religiosa. Estes vinham de Sorocaba, Itu, Campinas, Rio Claro entre outras cidades, compondo a maioria da população nos dias de festa: “De fato, a festa profana surgiu à sombra da festa religiosa. Foi a devoção ao santo, foi a festa religiosa em sua honra, que formou a tradição de se congregarem, anualmente, em Pirapora inúmeras pessoas.” (CUNHA, 1937, p.19)

3 Depoimento de Osvaldinho da Cuíca no documentário Geraldo Filme – Crioulo cantando samba era coisa feia, de Carlos Cortez.

4 Grupo de componente responsável pelo instrumental dos Cordões paulistanos, especificamente à percussão, ao lado do “choros”, responsável pelos instrumentos de sopro e de corda. Para mais detalhes ver MORAES(1978).

Por ocasião da festa, devido à grande repressão por parte dos órgãos oficiais e à proibição do samba nas ruas por parte da igreja católica, esta mesma cedeu um barracão para a população negra que lá comparecia nos dias de festa. No barracão eram cobradas as estadias em quartos situados no segundo andar, sendo que o andar térreo estava liberado para quem quisesse dormir. Era no barracão que os grupos de negros se alojavam durante os dias de festa e, também, comemoravam o samba.

Conforme CUNHA, diversos grupos, de diferentes cidades, compareciam a Pirapora nos dias de festa. Segundo denominação do próprio autor, estes grupos de sambistas, que competiam entre si, eram chamados “batalhões”. O samba não era aberto a todos que compareciam à festa, de modo que a presença de brancos e de pessoas que não pertenciam a nenhum batalhão era restrita. Em 1937, ano em que o autor realizou a pesquisa de campo durante a festa do Bom Jesus, verificou-se a presença de apenas três batalhões na cidade, os de Campinas, São Paulo e Itu. Os músicos que tocavam os instrumentos eram, em maioria, homens. Por outro lado, a dança era tarefa executada por pessoas de ambos os sexos. No momento em que o samba começava havia uma estrutura a ser seguida por todos os participantes no que concerne ao modo de cantar e conduzir a música. Assim, a atividade iniciava com a apresentação do chefe, e o reconhecimento deste, e a partir do momento que este tomava o bumbo, também propunha uma “deixa”, denominada por ANDRADE (1937) como consulta coletiva. O chefe do samba puxava o samba e deixava alguns versos que seriam repetidos pelos demais “sambadores”. A dança assim, tinha início e era puxada, na maioria das vezes, por mulheres.

A festa profana começa a entrar em decadência em 1937. Um dos principais fatores responsáveis pela decadência da festa foi a forte reação da festa religiosa contra o crescimento da festa profana. A igreja católica e os pregadores religiosos passaram a censurá-la, e pessoas não saíam mais nas ruas nos dias de festa, para não verem gestos então considerados “profanos” e “indecorosos”. Tamanha era repressão e coerção por parte dos órgãos oficiais e religiosos que em 1937 foi proibido o samba nos barracões: “Quando, nos anos 30, a Igreja adotou atitudes repressoras às atividades profanas da festa de Pirapora, o equilíbrio desejado já estava há muito comprometido, ocorrendo o predomínio da festa profana sobre a religiosa” (BRITTO, p. 93, 1986). O fechamento do barracão contribuiu de maneira incisiva para o esfacelamento da festa. Sem opções, o samba passou a ser comemorado nas estreitas ruas da cidade, sendo interrompido pela chuva e pelos carros. O desenvolvimento dos meios de transporte também modificou de maneira significativa o caráter da festa. Com a facilidade do ônibus, no período referido, os religiosos não mais participavam das romarias. Um número cada vez maior de pessoas passou a vir para a festa profana e elementos estranhos passaram a se agregar ao samba (CUNHA, 1937).

Atualmente, Pirapora sobrevive do turismo religioso, que se desenvolveu na cidade devido à sua tradição religiosa. Como já comentado, o que ocorreu foi a supressão da festa profana e a continuação da festa religiosa. A tradicional Festa do Bom Jesus de Pirapora ocorre ainda hoje nos dias 3, 4, 5 e 6 de agosto, anualmente. Entretanto, há uma nítida preponderância das realizações religiosas, como as procissões e caravanas, que chegam a reunir mais de 10 mil devotos em cada uma. 

O atual grupo de samba de roda da cidade foi formado quando teve início a decadência da festa profana. Foi entre os anos de 1940 e 1950 que surgiu o grupo, sob o comando de Honorato Missé, tendo passado por períodos de ruptura, chegando até os dias atuais em exercício, sob a tutela institucional da “Associação Cultural Samba Paulista Vivo”, criada em 2003, como iniciativa da Prefeitura Municipal de Pirapora e de integrantes do grupo. Em 2003 foi criado o “Espaço Cultural Samba Paulista Vivo”, mais conhecido pelos moradores da cidade como “Casa do Samba”, como iniciativa do governo municipal. A casa do samba foi criada com o intuito de “preservar”, “valorizar” o samba em Pirapora e difundir sua história. Comporta um pequeno material bibliográfico sobre o samba paulista, fotos datadas de 1937 até os dias atuais, sendo também um espaço de sociabilidade e reunião dos integrantes do grupo de samba.

Outro grupo de samba de bumbo formou-se na cidade há aproximadamente quatro anos, é o “Grupo Folclórico Cultural Vovô da Serra Japi”, fundado por Mário Nunes da Silva Risonho na cidade de Pirapora. O grupo desfila pelas ruas da cidade, em datas festivas ou não, com grandes cabeções, seus integrantes tocam bumbos, caixas e chocalhos, seguindo o cortejo, parando nos bares da cidade a fim de pedir bebida.


Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos e técnicos adotados serão filmagens, pesquisa etnográfica, baseada na observação participante5, e levantamento e estudo bibliográfico acerca do tema. Para o melhor entendimento e análise do samba de bumbo, prioriza-se a abordagem dialética6, que em um de seus aspectos preconiza a necessidade de se considerar os elementos circundantes para entender o fenômeno e explicá-lo. Procura-se, assim, analisar o samba como um fenômeno em movimento, em desenvolvimento, buscando suas mudanças qualitativas, apreendendo suas contradições internas, que geram o movimento e o desenvolvimento das coisas, que englobam os termos que se opõem, porém que se complementam e garantem a unidade.


Discussão e resultados

Nos dias atuais não há mais o encontro de distintos grupos de samba de diferentes cidades do interior, como ocorrera outrora. Hoje, nos dias da festa (3, 4, 5 e 6 de agosto), o que há são apresentações de alguns grupos de samba do interior paulista, inclusive do grupo de Pirapora, além de outros grupos de música de outros gêneros musicais, como sertanejos, para o público que visita a cidade nos dias de festa.

No ano de 2001 foi gravado o primeiro CD do grupo de samba de roda da cidade, onde este aparece como “Grupo Folclórico de Pirapora”7. O grupo, hoje com 18 integrantes, apresenta-se na cidade em datas festivas, em atividades e eventos relativos à cultura popular em outras cidades, em escolas, universidades e nas unidades do SESC (Serviço Social do Comércio) tanto da Capital, como do interior paulista em apresentações( 5MARCONI e PRESOTTO (1985) 6 LAKATOS e MARCONI (1991) 7 SAMBA DE RODA NOSSA GENTE. São Paulo: Trace disc, 2003. CD) agendadas com o Grupo Folclórico Cultural Vovô da Serra Japi. O primeiro grupo realiza um ensaio na última quarta-feira de todo mês, conta com uma líder, responsável pelas apresentações, pelas vestimentas do grupo, pelas viagens, etc. Já o segundo encontra-se na cidade sem data marcada e realiza um churrasco por mês para todos os integrantes, em que o samba é festejado. De um modo geral, os participantes dos grupos ligaram-se a estes pela identificação que mantêm com a manifestação, mas, sobretudo aliaram-se com o intuito de preservar a tradição que carrega o samba de bumbo.

Congregando as diferentes modalidades desta mesma e xpressão cultural (o samba de bumbo), a cidade de Pirapora, no início do século XX, atuou enquanto aglutinadora de diversos grupos do Estado de São Paulo, em decorrência da festa do Bom Jesus em agosto. Assim, a concepção vigente de que o samba paulista, tanto o samba de bumbo do interior do estado, como o samba paulistano, teria nascido em Pirapora, é decorrente do discurso de intelectuais, sambistas e de outros órgãos, como jornais, ou, em âmbito local, da própria prefeitura da cidade.

Um intelectual de grande importância para a solidificação e difusão deste discurso foi Mário de Andrade, que, com seu texto intitulado “O samba rural paulista”, delineia alguns traços essenciais de uma manifestação cultural que seria para o autor representaria o samba paulista em sua totalidade. Andrade (1937), no texto referido, discorre sobre o samba observado em três anos na cidade de São Paulo, em 1931, 1933 e 1934, e em Pirapora do Bom Jesus, observado em 1937. Andrade, buscando conferir legitimidade ao samba rural, elege a dança como elemento definidor do samba rural enquanto uma manifestação autêntica. Não obstante, considera que a dança realizada em Pirapora nos dias de festa tenha influenciado a coreografia do samba paulista como um todo: “É possível finalmente imaginar-se que as festas religioso-profanas de Pirapora tenha tido no passado influência decisiva senão na criação da coreografia do samba paulista, pelo menos em sua divulgação no Estado.” (ANDRADE, p. 183, 1937).

Ao tratar o samba paulista como uma expressão homogênea, sem contrastes, e ao colocar Pirapora do Bom Jesus enquanto local em que foi definida a coreografia do samba de bumbo, Andrade dá início ao discurso, corrente até os dias atuais, de que o samba paulista, como um todo, nasceu em Pirapora. A Prefeitura Municipal local, especialmente, confirma o discurso que reconhece Pirapora enquanto “berço do samba paulista”, o que fica evidente quando se observa o site da instituição na internet. Ao falar sobre o samba de bumbo em Pirapora, os jornais locais confirmam a concepção acima colocada. Ao comunicar um evento ocorrido na cidade, a Expo-samba, cujo intuito seria reviver o período de encontro de diversos grupos de samba na cidade, o jornal coloca: “Apesar do tom moderno do tema, a programação deste ano também pretende resgatar a beleza da história do samba na cidade e o fato de o samba de São Paulo ter nascido em Pirapora (...) O evento vai mostrar peças de outros carnavais, adereços e fotos que marcaram época, além de exaltar a riqueza do samba de roda, cujo ritmo é originário de Pirapora.”(Jornal Município em Notícias, p. 7, 2007).

Outro jornal, o Jornal da Tarde, este de maior projeção, ao comunicar o mesmo evento, divulga uma matéria cujo título é: “Pirapora resgata o samba. Berço do batuque paulista, cidade promove festa”. E mais adiante, no decorrer da matéria: “Considerada um dos berços do samba paulista, a cidade de Pirapora do Bom Jesus inaugura na tarde de hoje a primeira edição da Expo-Samba (...)”(Jornal da Tarde, p. 1 C, 2007)

Ao divulgar a festa do Bom Jesus de Pirapora a ser realizada no mês de agosto na cidade, o site da Prefeitura Municipal de Pirapora reafirma o mesmo discurso, exaltando o samba no mesmo sentido, e ainda promove a festa como um resgate de sua dimensão profana, ocorrida no barracão:

“Pelo segundo ano consecutivo, serão resgatados os “barracões do samba”, imortalizados em Pirapora na década de 30 e que serão retomados no dia 5 de agosto, a partir das 17 horas, sob o comando do músico Osvaldinho da Cuíca. O barracão não pára até às 17 horas do dia 6, momentos antes da procissão.(...) A história conta que o samba de São Paulo nasceu em Pirapora, nos batuques dos dias da festa do padroeiro. Não queremos que esta história se perca.” (http://www.piraporadobomjesus.sp.gov.br/noticias07/festa001.html. site
visitado dia 19/07/2007)

Um músico envolvido diretamente com o samba de bumbo em Pirapora, presença marcante na maioria, senão em todos os eventos relativos ao samba na cidade, é Osvaldinho da Cuíca. O sambista além de se apresentar nas festas de agosto há pelo menos três anos, este ano participou do carnaval promovido na casa do samba, e agora realiza uma vez por mês uma apresentação (no último domingo de cada mês) na cidade no projeto promovido pela Secretaria de Cultura e Turismo denominado “Samba na Casa”. Em pesquisa de campo realizada no carnaval, foi observada a apresentação do sambista na casa do samba. Osvaldinho é um dos sambistas paulistas difusor da concepção de que o samba paulista surgiu em Pirapora do Bom Jesus. Isto fica patente durante seus shows, nas falas do músico que confirmam Pirapora enquanto berço do samba paulista, tanto do samba realizado no interior, como do tipo de samba tocado por ele.

Osvaldinho lançou recentemente um disco dedicado exclusivamente ao samba paulista, cujo título é “Osvaldinho da Cuíca convida em referência ao Samba Paulista”. Em entrevista dada ao jornal Correio Popular (caderno C) no dia 22 de maio de 20058, antes da gravação do disco citado, o sambista afirmou que neste CD seriam gravadas músicas que remetessem ao samba paulista, ao samba rural, realizado pelos escravos nas fazendas de café do interior paulista. De fato, o disco contém faixas que remetem à formação do samba realizado na cidade de São Paulo, com músicas cujos temas vão desde a prática da Tiririca pelos sambistas do Largo da banana, a formação do primeiro cordão carnavalesco da capital, o Barra Funda, até a comemoração dos 75 anos da Vai-Vai. Entretanto, sobre o samba dito “rural”, o samba realizado no interior do Estado de São Paulo, Osvaldinho saúda em uma das faixas do CD uma cidade em especial: Pirapora do Bom Jesus. No filme “Geraldo Filme – crioulo cantando samba era coisa feia”, Osvaldinho da Cuíca em seu relato coloca a existência do samba em alguns locais da capital paulista, como o Largo de São Bento, Sé, Prainha, entretanto, afirma que o samba só se estabeleceu na cidade de São Paulo com o movimento cultural existente entre a capital e Pirapora. 8 Informações retiradas do site http://www.consciencia.net/2005/mes/10/bruno-osvaldinho.html. visitado no dia 19/07/2007.

Osvaldinho se refere ao intercâmbio realizado entre alguns trabalhadores que trabalhavam em uma estrada de ferro em Pirapora, e levavam o samba realizado na cidade para São Paulo. Neste sentido, aponta que um dos maiores redutos deste samba era o Largo da banana, onde era realizado este tipo de samba, acompanhado da Tiririca ao som de latas e caixas de engraxate, latões e outros instrumentos improvisados. O filme como um todo reforça o discurso de que o samba paulista nasceu em Pirapora do Bom Jesus. Isto fica evidente não só na fala de Osvaldinho, mas também, no discurso de outros sambistas e intelectuais que oferecem seus relatos a respeito do samba paulista. É evidente que a atenção especial dada à cidade de Pirapora se deve ao fato de Geraldo Filme ter vivenciado, quando criança, o samba nesta localidade. Entretanto, a imagem de Pirapora é retomada algumas vezes no filme como a cidade que deu origem ao samba praticado na cidade de São Paulo, ou seja, o “berço do samba paulista”.

É patente a existência deste discurso, presente principalmente na fala dos sambistas e dos indivíduos representantes dos órgãos governamentais locais, na cidade de Pirapora. Por meio da observação direta foi possível perceber que os moradores locais não envolvidos diretamente com o samba de bumbo não transmitem, em suas falas, tal discurso nem sequer têm conhecimento das atividades dos grupos de samba locais. Assim, elevar a cidade de Pirapora enquanto “berço” do samba paulista significa desconsiderar o processo histórico que introduziu o samba de bumbo na capital, com a migração de pessoas vindas do interior para a cidade de São Paulo. Significa também desconsiderar os redutos formados na capital, como as casas em que era realizado o samba – a casa da Tia Olímpia, ou o terreiro de Zé Soldado – além do não reconhecimento da importância da existência de diversas localidades em que o samba de bumbo era praticado, mesmo em momento anterior à tradição formada em Pirapora destes diversos grupos se reunirem na festa do Bom Jesus.

Ademais, pode-se afirmar que por parte dos sambistas paulistanos o interesse em divulgar a imagem da cidade de Pirapora enquanto berço do samba paulista é conveniente, ao passo que é interessante a criação de uma história, uma ‘tradição’, em torno do samba paulista, que faça frente ao samba carioca, já consagrado nacionalmente. Quanto ao discurso vinculado na própria cidade de Pirapora, este contribui para a confluência de um número cada vez maior de turistas que comparecem à cidade para prestigiar o samba de bumbo, tanto em datas festivas, como em outros eventos realizados na cidade no decorrer do ano. Neste sentido, a presença constante de Osvaldinho da Cuíca na cidade, pelo menos uma vez por mês, no projeto “Samba na Casa”, contribui em muito para casar ambos os interesses.


Considerações finais

O que se pretendeu neste texto, foi a apresentação da problemática na qual está inserido o samba de bumbo, bem como de seus aspectos históricos relevantes contemporaneamente. Considerando que o presente trabalho está em andamento, o conteúdo contido no texto não representa nenhuma conclusão definitiva a respeito do tema. A pesquisa de campo, etapa essencial para o desenvolvimento da pesquisa, está em andamento. Portanto, busca-se entender o processo de mudança na concepção do samba de bumbo enquanto manifestação antes reprimida, por ser atividade essencialmente de negros paulistas, e atualmente exaltada pelos órgãos institucionais em Pirapora do Bom Jesus.


Bibliografia

ANDRADE, Mario de. “O samba rural paulista”. In: Revista do Arquivo Municipal. Ano IV. Vol. XLI. S: Departamento de cultura, 1937.
AYALA, Marcos. O samba-lenço de Mauá: organização e práticas culturais de um grupo de dança religiosa. São Paulo, 1987. (Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia, FFLCH, USP)
BRITTO, Iêda Marques. Samba na cidade de São Paulo (1900-1930): um exercício de resistência cultural. São Paulo: FFLCH/ USP, 1986.
CUNHA, Mario Wagner Vieira da. “Descrição da Festa de Bom Jesus de Pirapora”. In: Revista do Arquivo Municipal. Ano IV. Vol. XLI. S: Departamento de cultura, 1937.
LAKATOS, Eva M.; MARCONI, Marina A. Fundamentos de metodologia científica, São Paulo: Editora Atlas S. A., 1991.
MANZATTI, Marcelo Simon. Samba Paulista, do centro cafeeiro à periferia do centro: estudo sobre o Samba de Bumbo ou Samba Rural Paulista. Dissertação (mestrado). Departamento de Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.
MARCONI, Marina A.; PRESOTTO, Zélia M. N. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 1985.
MORAES, Wilson Rodrigues de. Escolas de Samba em São Paulo (Capital). São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.
TINHORÃO, José Ramos. Cultura Popular: Temas e questões, São Paulo: Editora34, 2001.


Documentários

CORTÊZ, Carlos. Geraldo Filme – crioulo cantando samba era coisa feia. Brasil, 52 min., cor, 16 mm, 1998.


Discos

SAMBA DE RODA NOSSA GENTE. São Paulo: Trace disc, 2003. CD
OSVALDINHO DA CUÍCA CONVIDA EM REFERÊNCIA AO SAMBA PAULISTA. São Paulo: Rio 8 produções fonográficas, 2006. CD


Jornais

Jornal Município em Notícias, Pirapora do Bom Jesus e Araçariguama. Ano II, N. 28, 2º quinzena de janeiro de 2007.
Jornal da Tarde. Caderno Variedades. São Paulo. Domingo, 11 de fevereiro de 2007. 


Sites consultados

http://www.consciencia.net/2005/mes/10/bruno-osvaldinho.html. Site visitado no dia 19/07/2007

http://www.piraporadobomjesus.sp.gov.br/noticias07/festa001.html. Site visitado dia 19/07/2007